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Nota de Pesar
03/04/2019 - 07:35  
  
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Falecimento do ex-secretário Pádua Ramos

É com grande pesar que a Secretaria do Estado do Planejamento e a Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí informam o falecimento do ex-Secretário do Planejamento e fundador da Fundação CEPRO, Antônio de Pádua Franco Ramos, acontecido na noite desta terça-feira, 02 de abril de 2019.

Administrador e bacharel em direito, Antônio de Pádua Franco Ramos era parnaibano e  também atuou como ex-secretário de Governo do Piauí e ex Pró-Reitor de Planejamento. Atualmente residia no vizinho estado do Ceará, onde prestava serviços como consultor de empresas e governos. Foi professor da Universidade Estadual do Ceará e autor dos livros sobre políticas públicas e planejamento social: “Em Busca do Ângulo Alfa” e “Manual do Desenvolvimento Social e Econômico do Município”. 

Pádua Ramos foi ainda ex-superintendente de Operações da SUDENE/Finor; ex-presidente do BANDECE - Banco de Desenvolvimento do Ceará; ex-presidente do BEC -Banco do Estado do Ceará e ex presidente do BEP - Banco do Estado do Piauí.


Ao professor toda a nossa estima e respeito por seu legado;

E à família, nossos votos de conforto.

Memória especial

Como homenagem ao querido Pádua Ramos, publicamos a entrevista concedida em 2016, que foi impressa na edição especial da revista Carta Cepro – 60 Anos de Planejamento, em alusão aos 45 anos que a Fundação CEPRO completou naquele ano. 

Segue a entrevista na íntegra:

Pádua Ramos – Nasci em Parnaíba, no Piauí, no tempo que o Brasil vivia uma ditadura. Quando eu tinha 10 anos de idade a ditadura caiu e foi o primeiro acontecimento que me sensibilizou para os fatos públicos e políticos. Parnaíba tinha um médico humanista e lá, embora houvesse ditadura, ela foi amenizada pelo humanismo do médico.

Lá para as tantas, eu fiz concurso para o Banco do Nordeste e isso foi muito importante, porque eu cheguei lá em 1955 e no ano de 1956 aportou no Banco do Nordeste um economista norte-americano de nome Stephan Robok, que nós funcionários, chamávamos Mr. Robok. Ele contava, da minha parte, de uma antipatia gratuita, porque naquele tempo se falava muito em imperialismo norte-americano e ele era de lá. O que eu não sabia, só os anos revelariam depois, é que eu estava diante de um sábio e de um santo, uma exceção destas missões das Nações Unidas para os países subdesenvolvidos.

O Sr. Robok tentou “botar na cabeça” das pessoas do Banco do Nordeste que deveriam eleger o fato como base do nosso estudo e para chegar ao fato nós teríamos que passar pela pesquisa. Então estas duas coisas, a pesquisa e o fato, se introjetaram na minha pessoa como preocupação. E ele fez realmente um trabalho magnífico, porque propôs que se trocasse a visão tradicional e folclórica pela visão científica do nordeste. Ele se antecipou ao Celso Furtado.

Depois, atendendo a um convite muito honroso e inesperado, que me deixou muito lisonjeado, do ministro João Paulo dos Reis Veloso, eu trabalhei no Ipea, órgão de pesquisa. “Lá se vem de novo” a pesquisa sensibilizando o meu bom senso. Em seguida eu voltei ao Ceará onde exerci, por pouco tempo, a função de secretário de Planejamento. Fui fazer o orçamento do ano seguinte e a equipe fazia o orçamento do ano que vem com base neste ano. Não fazia uma projeção estatística, nada disso. Eu, que vinha do Ipea, procurei melhorar a qualidade do orçamento.

Depois vim para o Piauí trabalhar no Governo Alberto Silva. Aqui, eu fui beneficiário de uma herança bendita, o professor Raimundo Nonato Monteiro de Santana tinha feito a CODESE - Coordenação de Desenvolvimento do Estado, que não era uma secretaria, mas um grupo de trabalho e apesar dele ter o status de secretário, não havia secretaria. Mas ele preparou bem o pessoal, principalmente no campo da assistência aos municípios.

Como eu vinha da experiência do Ipea e do Banco do Nordeste, me ocorreu que havia um vazio no sistema de planejamento do Piauí. Primeiro não havia uma secretaria, tinha que haver uma pasta com o mesmo status das demais pastas para que o diálogo fosse de igual para igual e, era preciso, também, que houvesse a pesquisa. Então me ocorreu fazer a réplica do ETENE do Banco no Nordeste, que é dedicado à pesquisa; fazer a réplica do Ipea nacional, que é dedicado a pesquisa daí nasceu a Fundação CEPRO. Tudo que era “futuro” o Alberto Silva aprovava. E ele aprovou, na hora, a Fundação CEPRO.

Os desafios eram grandes, eram os mesmos que haviam sido postos até então, que era a assistência aos municípios. Nós fomos ao Rio de Janeiro, na Fundação Getúlio Vargas, trazer pessoas com mestrado, pelo menos. (...) Sentei numa mesa e fique conversando “cercado” de piauienses e cearenses e perguntei se queriam vir ao Piauí. Disse que o Piauí oferecia calor, muriçoca e independência para trabalhar. Quando falei independência para trabalhar eles se “tocaram” e vieram vários.

A Fundação CEPRO estava destinada a fazer pesquisa, mas tínhamos que “vaciná-la” contra a alienação. O problema era o técnico achar que não devia trabalhar para o governo, e sim para a pesquisa, a mentalidade era essa. Eu me perguntava como faria isso se recebia verba do governo, então chegou de Londres, o economista Antônio Augusto dos Reis Veloso, assessor do seu irmão ministro e me telefonou dizendo que tinha estado com o gerente do Banco do Brasil, em Londres e que havia US$ 10 milhões para fazer estrada. Fui imediatamente a casa do Alberto Silva que me disse: “Moço, vamos fazer a perna do grande Y”. Só que o ministro Delfim Neto atravessou o caminho e disse que não seria pelo Banco do Brasil, pois caracterizaria a estatização do crédito e mandou que escolhêssemos um banco privado.

Eu pedi que fosse feita uma carta convite para vários bancos dizerem por quanto ofereciam este empréstimo, houve um problema qualquer e as cartas não foram expedidas, para a minha sorte, pois iria pedir demissão. (...) Se tivesse sido expedida e o Delfim dissesse que seria o Banco de Boston eu teria obrigação moral de ficar. Não saíram as cartas, o Banco de Boston foi escolhido, emprestou o dinheiro e as estradas foram construídas. Depois viajamos nela, uma sensação agradabilíssima, deve ser a sensação da mãe quando vê o filho nascer.

A CEPRO participou da elaboração da justificativa da estrada. Quando chegou ao Ministério do Planejamento caiu na mão dos técnicos norte-americanizados que queriam fazer o levantamento da relação benefício/custo. Aquela relação que os americanos ensinaram aos bolsistas brasileiros que se aplica lá, mas não aqui. Se eu vou fazer uma estrada pioneira como vou saber os benefícios para hoje? Eu podia apenas imaginar quais seriam os benefícios. Aí deduziram que enviaram ao setor errado. Depois foi enviado a outro setor, que era integrado por nordestinos, e aí a aprovação saiu rapidamente. A estrada saiu e este foi o primeiro empréstimo grande do Piauí.

Antonio José Medeiros, presidente da Fundação CEPRO: Com relação à sua formação, onde o senhor estudou?

O ensino de Paranaíba era muito bom, menos em matemática. Eu fiz o curso de Português com o professor José Rodrigues e a minha irmã Helena também gostava muito da Língua Portuguesa, então eu tinha dois professores. A gente achava naquele tempo de adolescente, que a Gramática ia mudar o mundo, que a Literatura, a frase bem feita e sem erros ia salvar o mundo. Eu me dediquei muito a isso, tanto que fui representante comercial lá em Parnaíba e fazia cerca de 20 cartas por dia (...), isso me valeu uma coisa fantástica no Banco do Nordeste (...).

O professor José Rodrigues foi muito importante, porque além de ser professor de Português, ele era, implicitamente, professor de postura cívica e cidadania. Ele liderava aqui a Ação Integralista Brasileira que no passado, lá na década de 30, “namorava” com o Mussoline, mas que na redemocratização isto foi expungido (...) e eu me filiei também à Ação Integralista, mas no sentido de valorização da ideia de Deus, da espiritualidade ou concepção espiritualista do universo.

E a gente queria que, ao invés de haver partidos políticos, houvesse corporações. Em vez de dizer assim: PSDB, diríamos: o partido dos metalúrgicos, da tecelagem, bancada da carnaúba (...). Um sonho que os próprios integralistas viram depois que não era bom.

Manuel Domingos, ex. superintendente da Fundação CEPRO: Pádua, só para esclarecer, este integralismo do José Rodrigues tinha sido originado da influência de Dom Helder, do qual ele fora aluno, e que logo em seguida Dom Helder passaria a uma revisão desse integralismo, assim também como os discípulos de Dom Helder. Fica o movimento mais conservador em Parnaíba, apenas em uma pequena parcela, a maior parte já adquire uma sensibilidade quanto ao aspecto mais perverso do integralismo.

Pádua Ramos: Uma correção! Eu tenho na minha casa dois livros editados na década de 30 e a pessoa humana individual do Pinto Salgado era contra o nazismo e o fascismo e isto está escrito no livro dele. Uma crítica muito contundente ao nazismo e ao fascismo. Ele dizia assim: “Não confundam o meu movimento com o nazismo, que é o endeusamento da raça, nem com o fascismo, que é o endeusamento da nação”, tá lá escrito. Em outras passagens ele também os combate. E eu embarquei nesta canoa. Foi bom porque este partido foi um colégio de civismo, um colégio de compromisso social, e isso marcou a minha vida toda.

Também é importante mencionar, com muita saudade, o nome do professor mais erudito que eu já tive no Ceará e fora do Ceará, chamado Benedito Jonas Correia. (...) Ele chegava e a gente provocava e ele falava sobre Filosofia. Eu tinha ouvido falar sobre silogismo, foi ele que, lá no curso científico, nos deu. E quando terminava a aula ele ia para casa e eu ia grudado com ele conversando. Ele tinha horror ao integralismo, mas eu não sabia disso (...). Eu era muito tímido, vítima do que chamavam de psicologia do amor, uma expressão que eu cunhei para falar sobre nós, piauienses.

Voltando ao Ceará, chegando ao Banco do Nordeste, brincavam muito comigo, diziam que a bandeira do Piauí era couro de bode, que a fruta do Piauí era pitomba, o doce era rapadura. Brincadeiras que, no fundo, eram de confraternização. E eu fui trabalhar na agência do banco, numa função que ficava atrás do caixa, que chamava caixeta. Era uma mapa grande, muito minucioso e quando eu cheguei lá, que fui recebido pelo gerente, ele não olhou para mim. Ele era alto e eu baixo e o subgerente disse: “Este é o Sr. Pádua que veio substituir os Dr. Farias” e então o gerente respondeu: “Substituir não, ver se pode substituir”, disse.

Palavras proféticas, porque eu não pude substituí-lo. Eu errei o mapa de segunda a sábado e fui devolvido como fracassado para uma salinha da direção geral onde eu fiquei num canto, traumatizado. Eu não sabia por que tinha fracassado e depois eu fui ao oculista e ele disse: “como é que você trabalha se não usa óculos? É a primeira vez que você vem a um oculista na sua vida?” Aí eu relacionei as coisas. Eu estava lá traumatizado num cantinho e nesse íntere tinha havido um concurso para escriturário, eu tinha passado como auxiliar de escriturário, e aí entra um funcionário com a relação dos aprovados e disse: “Pádua, você tirou o quarto lugar em Fortaleza”. Aí o meu traumatismo saiu e automaticamente todos passaram a olhar para mim. Aí pronto, a história continuou, foi uma maravilha!

Antonio José Medeiros: E nesta época você ainda não tinha feito faculdade?

Pádua Ramos: Não. E outra coisa, eu me dedicava tanto à leitura que nem me lembrava de faculdade até que um dia deu um estalo “o que eu estou fazendo?” E fiz a faculdade de Direito. Quanto eu estava na metade do curso de direito, lá se vem o Santiago Dantas, o Celso Furtado, com aqueles pronunciamentos fascinantes no rádio e na televisão. E me perguntei o que estava fazendo em Direito e por que eu não fazia Economia. Ia se aproximando 1963 e 1964, da nossa reviravolta política e militar.

Mas aí eu continuei estudando Direito. Foi o jeito, e fiz o curso de Economia compactado, terrível, oferecido pelo governo do estado. Tirei o primeiro lugar, o que foi uma surpresa para mim, porque tinha muita Matemática e, como eu disse a vocês, a Matemática não era o forte de Paranaíba, eu tive que estudar redobrado. De repente o presidente do Banco me chamou e disse que eu estava sendo convidado para trabalhar no Ipea, que o João Paulo Veloso havia telefonado. Eu não tinha sido consultado, minha mulher ficou chateada e minha sogra também, mas meu sogro adorou e eu também. Foi lá que eu vi coisas notáveis. (...)

A matéria que mais me fascinou, que eu aprendi realmente, foi Contabilidade Social, como se dava o fluxo de dinheiro das famílias para as empresas e das empresas para as famílias, concentração de renda. Linda essa cadeira de Contabilidade Social!

Quando eu estava no estado do Rio de janeiro recebi a visita do jovem engenheiro Alberto Silva, voltei para Fortaleza e fui secretário de Planejamento do estado do Ceará, foi o tempo que chegou o Alberto Silva para ser governador do Piauí e eu vim embora para cá. (...)

Aqui eu estava me realizando, porque tivemos a ideia da CEPRO, veio muita gente de fora, veio o João Ribeiro com a ideia do Projeto Piauí (...)

Antonio José Medeiros: Eu estava vendo agora, quando você falou da CEPRO, aquele projeto que você falou do Y. A CEPRO era muito solicitada, não só para projetos e pesquisas, mas também para a elaboração de projetos, inclusive está citado no estatuto até a capacitação de recursos humanos. Era a ideia inicial ou foi uma necessidade da situação administrativa do Piauí?

Pádua Ramos: Era uma maneira da CEPRO não ficar cuidado da pesquisa pela pesquisa. Era ter demanda concreta do estado. No começo eu próprio reagia achando que ia macular a pureza da pesquisa. (...) Por que fundação e não um departamento da própria Secretaria? A experiência da vida ensina a gente que determinadas atividades ou devem estar perto do poder central ou bem distante dele. Quando houve epidemia de dengue no Ceará, o governo escondeu. Só atacava a periferia, os pobres. Morrendo pobre na periferia, mas o governo não queria alarmar. Eu não sei que tipo de zelo era esse que manteve como segredo a epidemia de dengue. Aí morreu um grã-fino da cidade, um rico da cidade. As comportas se abriram e anunciaram que Fortaleza estava invadida pela dengue. Onde eu quero chegar, a secretaria de Saúde tinha feito a pesquisa e ela estava escondida.

Manuel Moedas, pesquisador analista da Fundação CEPRO: Você esboçou como se deu aquela obra da PI-04, no início do governo Alberto Silva, em 1971. Com relação a estas grandes obras que foram realizadas naquela época, você acredita que elas teriam sido feitas se nós não tivéssemos o ministro Reis Veloso?

Cezar Fortes, presidente da Agência de Fomento: Pádua, antes de você responder eu queria endossar um pouquinho a pergunta, eu também acho que a CEPRO em 1972 se misturou um pouco na assessoria da Seplan. Eu me lembro de que nesta época eu mesmo vim trabalhar na assessoria, largando um pouco a CEPRO, porque era uma ponte que precisava de uma série de coisas imediatas. Eu me lembro de que no gabinete do secretário de Planejamento tinha um telex, então o Pádua, com frequência, recebia telefonemas de Brasília dizendo que havia sobra de dinheiro lá e mandando passar um telex com uma programação de gastos (...). E o Pádua pedia para nós, da assessoria, fazer uma programação que dizia quanto seria gasto e em que, totalizando o valor que eles haviam informado que estava livre lá. Então o Piauí mandava em uma folha de telex e com dois ou três dias o dinheiro chegava aqui. Para vocês terem uma ideia da situação completamente diferente dos dias de hoje. (...)

Pádua Ramos: Não houve nenhum dinheiro extraordinário vindo para o Alberto Silva por força da ação do ministro Veloso. O maior dinheiro que o Alberto Silva obteve foi decorrente da venda das ações da Petrobrás. Como foi isso: fomos o governador, eu e o secretário da Fazenda Pública, Gil Macieira, que se dava com Delfim Neto – o Delfim Neto conhecia todos os secretários pelo nome porque era uma rede onde cada secretário estava na ponta de um tentáculo, através da qual o Delfim mandava no Brasil, mandava nos estados do Brasil – então nós fomos lá e chegamos numa mesa pequena, em pé, não havia cadeira, no Ministério Público da Fazenda e o ministro chegou (...) e perguntou: “governador, qual o tamanho do buraco?” Nem deu tempo do governador expor alguma coisa, e o Delfim disse: “venda as ações da Petrobrás que eu lhe autorizo”(...).

O governador chegou aqui e vendeu as ações da Petrobrás, construiu o Albertão e ainda sobrou dinheiro. A estrada Transpiauí foi um empréstimo e nós fizemos o projeto (...). O Reis Veloso ajudou porque quando chegava uma postulação do Piauí ninguém contrariava o estado onde tinha nascido o ministro, então isto facilitou muito. Agora, ele ajudou muito o governador Dirceu Arcoverde, segundo o irmão dele me disse. (...)

O Alberto Silva fez o estádio, foi uma coisa um pouco desgastante para mim, porque eu não era contra o estádio, mas eu era contra o tamanho do estádio.

Manuel Domingos, ex. superintendente da Fundação CEPRO: Pádua, ainda nesta época do Alberto Silva não se discutia investimento para o porto de Parnaíba? E voltando ao Reis Veloso, não houve concessão do Reis Veloso nem no que diz respeito à Parnaíba?

Pádua Ramos: Olha, o porto foi muito falado e, mais do que falado, foi feito o modelo reduzido (...). Nós visitamos no Rio de Janeiro uma réplica das condições do rio, das condições do porto, do Delta e o estudo de como se comportavam as marés, as correntes e os ventos. Uma miniatura, tecnologia portuguesa. E aí se chegou à conclusão que o porto deveria ser ali. Este registro é importante porque a gente entra num restaurante, num bar e encontra um pessoal tomando cerveja e dizendo: “A localização do porto é errada...” – dá um palpite tomando cerveja, avassalando todo um estudo científico com base em modelo reduzido. Nunca houve um convencimento nacional em torno do porto, nem mesmo estadual, até hoje.

Antonio José Medeiros: Você acha que o porto sai ou não sai? Vai sair, sabe por quê? Aí vamos fazer uma pequena dissertação: há uma hierarquia de custos, como nós sabemos, o custo mais barato de transporte é por hidrovia, depois o da ferrovia e depois o da rodovia. A mundialização dos mercados, chegando ao Piauí, a competitividade fazendo o Piauí disputar com o mercado globalizado, as forças empresariais, os mercados vão querer que os rios sejam navegáveis, então eu acho que o mercado capitalista, ambicioso pelo lucro, por vencer a competitividade, vai querer que o governo faça, ou que conceda que eles façam este rio se tornar navegável, esse porto ser concluído. Porque aí vem a soja da região chamada Matopiba, os minérios que foram descobertos (...), as técnicas de prospecção evoluíram e o Piauí é riquíssimo em minérios. Há o minério de ferro do Piauí, o manganês, o níquel. Vocês podem achar que eu estou ficando doido, o Piauí vai se revelar como um estado mais rico do que a Bahia, porque tem o que a Bahia tem. Talvez petróleo não, mas tem o gás e é mais rico que Minas Gerais. É uma espécie de um pouco de Minas Gerais e um pouco da Bahia.

Antônio Rodrigues de Sousa Neto, secretário estadual de Planejamento: Só aproveitar para fazer um resgate de uma questão que o senhor colocou, professor Pádua Ramos: o senhor foi um dos idealizadores, um dos mentores, talvez uma das primeiras pessoas que pensou planejamento neste estado, a história está aí para registrar isso. A sua contribuição para a história do Piauí é inegável e será sempre muito respeitada por todos nós. O senhor colocou uma questão interessante, que o Sistema de Planejamento do nosso estado, que depois se tornou a Seplan e a Fundação CEPRO, como um braço da pesquisa e dos estudos. Ainda hoje a gente tem uma dificuldade muito grande de falta de uma cultura de planejamento dos órgãos do estado. Na sua época o senhor também deve ter percebido isso. Apesar de ter melhorado muito, nós fazemos o orçamento quase como uma réplica do orçamento anterior, ou seja, a discussão com os órgão se torna muito difícil. Pela sua experiência, pela sua história, sua vivência, como o senhor superou todos estes desafios e o que pode fazer o Piauí dar um salto? O Piauí está avançando, está crescendo, mas a cultura do planejamento ainda é muito tímida nos órgão, para os gestores. A gente faz um processo de licitação de obras e os pactos que são feitos com o setor privado não são cumpridos porque a gente não consegue nem estabelecer uma relação técnica com o setor privado e as obras ficam inacabadas. É um processo muito complicado. Eu gostaria que o senhor desse esta contribuição, como a gente poderia, na sua visão mais holística, mais ampla, mais abrangente da realidade, como o senhor vê esta questão histórica no Piauí e no Brasil também?

Pádua Ramos: No Brasil, a ideia de planejamento está avassalada e o Piauí está dentro do Brasil, agora, na época em que a Seplan foi criada, nós não fomos esperar que as pessoas, altruisticamente, se revelassem favoráveis ao planejamento, como uma expressão de racionalidade para fabricação de dinheiro público, nós não fomos esperar essa conversão. Nós fizemos o seguinte: a lei que criou a Seplan estabeleceu que as despesas de capital, que são justamente aquelas que expressam a substância da ação do governo, fossem empenhadas somente na secretaria do Planejamento. A saúde, se quisesse comprar um aparelho de Raio X não podia empenhar lá, só aqui. O Alberto Silva aprovou isso na hora e eu fiquei admiradíssimo, ninguém chiou. Aí, se você tivesse o planejamento, você poderia comparar a postulação que veio daquela pasta, em particular, com a diretriz que você fez. Cuidado com isso, porque se você vai comprar um aparelho de Raio X é porque ele é necessário e o governador já prometeu numa reunião, por exemplo, aí chega o burocrata do planejamento e diz não porque não está no plano. Tem que ter bom senso! O Alberto Silva observou que a visão da ação substantiva do governo podia ser consolidada facilmente dentro do planejamento. O planejamento ficou forte, e meu gabinete ficava cheio de secretários pedindo para empenhar despesa de capital, aí havia aquele diálogo, aquela cordialidade. (...)

Cezar Fortes: hoje, estamos falando de 40 anos depois, as despesas de capital, assim como as correntes, são todas centralizadas na secretaria da Fazenda, que toma as suas definições de liberação de empenho em função da disponibilidade financeira. A lógica financeira, isso é o que aconteceu há vários anos e continua até hoje. Naquela época, estamos falando em 1972, 1973, as despesas de capital vieram para a Seplan para ver se aquele empenho tinha lógica com o plano de desenvolvimento. Eu só quero remarcar a diferença muito clara que havia em relação a este ponto.

Pádua Ramos: Antonio José Medeiros, eu gostaria muito que a CEPRO mergulhasse no sofrimento do Piauí, que os técnicos fossem tomar banho no rio Parnaíba para descobri-lo e fossem visitar o litoral para descobrir o porto. O porto não é de Parnaíba ou de Luís Correia, o porto é da Matopiba, o porto é até de Oeiras, que fica longe do rio. O porto é do Piauí. Uma vez eu cometi um gafe terrível, eu cheguei para o Elói Portella num café da manhã e disse: Elói Portela – eu nem me lembrava que ele tinha dois irmãos que haviam sido governadores do estado – já se passaram dezenas de governadores neste estado e nenhum deles fez o porto, um governador sozinho do Ceará, o Tasso Jereissati, fez o segundo, pois já existia um porto lá. E ele disse: “pois é Pádua, e três desses governadores eram de Parnaíba”. Foi aí que eu me lembrei que ele era irmão do Lucídio e do Petrônio.

Antonio José Medeiros: Eu li o livro das memórias do Fernando Henrique Cardoso e ele falou que na constituição dos ministérios o Tasso indicaria um deles, mas ele preferiu pedir o porto, foi em cima deste objetivo específico.

Pádua Ramos: Pois é, ele fez o porto e fez a ZPE. Nós também estamos fazendo a ZPE, graças a Deus. Então, Antonio José, o rio e o porto. Agora, mudando de assunto, o recurso humano da CEPRO deveria ser uma elite, palavra muito antipática, porque a gente relaciona logo com uma elite financeira, uma elite econômica, uma classe social grã-fina. Mas neste caso aqui uma elite é aquele que pertence a um grupo que mais dá do que recebe, aquele que pensa, a elite acadêmica, a elite técnica que pensasse o Piauí, que conseguisse sacudir a opinião pública. Eu estava numa reunião de empresários, seis anos atrás, e o presidente da associação disse: “estão fazendo aí um porto, eu não sei para que ele serve”. Eu me senti tão mal que preferi ir embora, me retirei da reunião.

Antonio José Medeiros: Em termos de publicações, escritos seus (..) sinta-se à vontade de opinar ou não. Você participou da elaboração do PDES-2050, como você vê o papel dele, o que se pode explorar e quais as suas limitações?

Pádua Ramos: Ótima pergunta! Quando eu tomei conhecimento do PDES foi através da imprensa, que estava contra, e eu me envenenei contra. E aí eles quiseram que eu participasse. Pensei que eles queriam que eu, não por ser o tal, mas por ser o decano nesta área de planejamento, participasse para avalizar o que eles quisessem escrever. Pensei: vão me usar! Mas não era, porque o Cezar conversou com eles antes e achavam que eu devia participar para contribuir. Eles estavam tão empenhados na minha contribuição que foram à Parnaíba, pois eu estava lá. Eles viajaram para tentar me convencer, mas eu disse que não queria. Conversa vai, conversa vem, até que eu disse que durante o processo iria discordar, que daria murro na mesa, o que não era do meu temperamento e eles disseram: faça isso, dê murro na mesa, discorde! Aí eu fiquei desarmado e aceitei.

A minha parte era mais a infraestrutura, que é a minha paixão. A formação longilínea do Piauí no mapa, lá no norte Cajueiro da Praia, em Luís Correia, lá no sul, Sebastião Barros (...).  Então, o encarregado da parte de infraestrutura, um português, o Dr. Meirinho, veio para o Brasil, desceu em Fortaleza e ocupou todo um domingo meu, mas valeu. Ele tinha dezenas de mapas do Piauí e nós íamos conversando e ele ia riscando. Ele propôs que houvesse uma ferrovia, como uma coluna vertebral. Eu disse para ele que o grande problema do Piauí é que há uma vertebração imaginária, mas não há uma vertebração operacional e ele comprou bem a ideia (...). Vieram técnicos do mais alto nível, eles se reuniram com as comunidades eu almocei com eles, no almoço a gente sente as pessoas, eu vi os debates e como eles trabalharam, como se esforçaram. Eu só não sei se eles ouviram o pessoal de Teresina, o pessoal das universidades. O dinheiro foi gasto e eu acho que vale a pena desarquivar esse plano.

Antônio Rodrigues de Sousa Neto: Ele está sendo usado. Eu estou secretário de Planejamento, mas quero dizer que, em homenagem ao senhor, ao Manuel, ao Cezar, a todos estes grandes homens públicos, o nosso desafio é nesta gestão resgatar a Fundação CEPRO. Vamos ver se a gente consegue fazer resgatar o papel da Fundação CEPRO como pesquisa, como instrumento de planejamento deste estado, que realmente precisamos aproveitar tudo o que tem lá e tocar para frente.

Pádua Ramos: Eu queria agradecer, ao Antonio José Medeiros em particular e a todos vocês em geral, esta oportunidade. Eu botei coisa pra fora que nem lembrava mais. Estou feliz com a presença do Manuel Domingos aqui, meu conterrâneo.

Eu queria tomar partido do que acontece com o organismo animal. Quando eu piso com o pé descalço numa brasa há uma espécie de sistema telefônico, chamado sistema nervoso, que leva até o meu cérebro a consciência da dor, aí eu puxo o pé rapidamente, essa comunicação é instantânea, parte com uma velocidade enorme, através do sistema nervoso até atingir o cérebro. O que eu desejo é que a Fundação CEPRO seja uma espécie de sistema nervoso do Piauí, que leve as dores da sociedade até o cérebro, numa velocidade máxima para conscientizar as elites governamentais, acadêmicas, empresariais, da sociedade civil, de modo que haja um engajamento em favor do nosso desenvolvimento, sob a inspiração dos estudos e das informações da Fundação CEPRO.

 

 

 

 


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